Da possibilidade de revisão de contratos de empréstimos abusivos: Conheça seus direitos

Quem não recorreu a empréstimos bancários para atender a diversas necessidades financeiras, como a compra de uma casa, investimentos em negócios ou até mesmo para quitar dívidas.

Entretanto, nem sempre estamos cientes dos detalhes dos contratos que assinamos e de como eles podem afetar nossas finanças. É importante compreender que você possui direitos quando se trata de contratos bancários e, de forma específica, quando existem abusos no contrato. Neste artigo, abordaremos uma abusividade relacionada aos juros remuneratórios. Vamos explicar de maneira simples e clara o que são juros abusivos, como identificá-los e quais medidas você pode adotar para assegurar um pagamento justo.

DA FORÇA OBRIGATÓRIA DOS CONTRATOS E DA POSSIBILIDADE DE REVISÃO

Primeiramente, é relevante destacar que o contrato possui força de lei entre as partes – “Pacta sunt servanda“. Isso significa que o contrato assinado deve ser cumprido conforme os termos acordados. Esse princípio é fundamental no Direito Contratual, demonstrando a importância de honrar os acordos entre as partes. Contudo, nos contratos bancários, tem surgido uma discussão relevante sobre a flexibilização desse princípio, considerando cláusulas abusivas e desequilíbrios contratuais.

Os tribunais têm reconhecido a necessidade de flexibilizar o “Pacta sunt servanda” quando se trata de contratos bancários abusivos. Uma interpretação excessivamente rígida desse princípio poderia perpetuar situações de desequilíbrio e injustiça contratual.

A flexibilização do “Pacta sunt servanda” nos contratos bancários encontra respaldo em princípios como a função social do contrato e a proteção do consumidor. O Código de Defesa do Consumidor estabelece a nulidade de cláusulas abusivas e a possibilidade de revisão judicial. Isso reflete a compreensão de que os contratos devem ser equilibrados e justos, em consonância com os direitos fundamentais dos consumidores.

Até mesmo o Superior Tribunal de Justiça adere a esse entendimento:

  • (…)A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, sendo aplicável o Código de Defesa do Consumidor, é permitida a revisão das cláusulas contratuais pactuadas, em razão da mitigação do princípio do pacta sunt servanda, mormente ante os princípios da boa-fé objetiva, função social dos contratos e dirigismo contratual. (…) (STJ – REsp: 2031929 MT 2022/0315963-9, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Publicação: DJ 01/12/2022)1

Essa possibilidade de revisão não se limita a contratos em vigência, mas também abrange contratos bancários que foram extintos, renegociados, novados ou quitados, conforme ressaltado pelo Superior Tribunal de Justiça:

  • (…) O entendimento desta Corte é no sentido de ser possível a revisão de contratos bancários extintos, novados ou quitados, ainda que em sede de embargos à execução, de forma a viabilizar o afastamento de eventuais ilegalidades, as quais não se convalescem, a teor da Súmula n.º 286 /STJ. (…) (STJ – AgInt no REsp: 1357462 RS 2012/0258905-6, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 06/06/2017, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/06/2017)

  • (…) A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores” (Súmula 286 /STJ). (…) (STJ – AgInt nos EDcl no REsp: 1948695 RS 2021/0216470-1, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 04/04/2022, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/04/2022)

Portanto, embora o contrato deva ser cumprido conforme os termos, a flexibilização do princípio do “Pacta sunt servanda” nos contratos bancários é uma resposta coerente à necessidade de equilíbrio e justiça nas relações contratuais. Proteger os consumidores contra cláusulas abusivas é essencial para garantir dignidade e equidade nas transações financeiras. A flexibilização não diminui a importância dos contratos, mas busca conciliar a liberdade contratual com a necessidade de coibir práticas abusivas.

DOS JUROS REMUNERATÓRIOS E O QUE É CONSIDERADO ABUSIVO:

Agora que sabemos que os contratos bancários podem ser revisados, é necessário explicar o conceito de juros remuneratórios, frequentemente discutido. Esses juros representam a taxa de compensação que uma instituição financeira cobra ao emprestar dinheiro a um cliente. Essa taxa é parte do custo do empréstimo e é paga pelo tomador do empréstimo como remuneração ao banco pelo capital disponibilizado.

Em outras palavras, essa taxa é a quantia que o banco recebe do cliente em troca do empréstimo – é a remuneração pelo serviço prestado.

Entretanto, a abusividade dos juros remuneratórios pode surgir quando essas taxas ultrapassam de maneira desproporcional a média praticada no mercado. Isso pode levar à revisão do contrato com o objetivo de assegurar a equidade contratual.

Contudo, é importante ressaltar que não se considera abusiva uma taxa de juros que esteja acima de 1% ao mês ou 12% ao ano. A justiça entende que os bancos podem praticar taxas de juros superiores a esses percentuais. No entanto, essa liberdade não é absoluta, uma vez que a própria justiça considera juros abusivos como taxas que, quando aplicadas em contratos, resultam em uma desproporção excessiva entre os juros e o montante do empréstimo ou financiamento, prejudicando significativamente a parte mais vulnerável do contrato, geralmente o consumidor.

A abusividade dos juros remuneratórios pode ser identificada quando essas taxas ultrapassam consideravelmente as médias de mercado, caracterizando uma prática comercial injusta que viola os direitos dos consumidores, conforme ressaltado pela Justiça em julgamento de um caso de revisão bancária:

  • (…) Possibilidade das instituições financeiras efetuarem cobranças de juros acima do percentual de 12% ao ano, eis que elas não se sujeitam à limitação prevista na Lei da Usura. Súmulas 596 do STF e 283 do STJ. Não pode, contudo, ser excedida a taxa média do mercado à época da contratação, conforme limites do BACEN. Laudo pericial que atestou a incidência de juros acima da média (…) (TJ-RJ – APL: 00029883820208190050 202300130332, Relator: Des(a). ANDREA MACIEL PACHA, Data de Julgamento: 15/05/2023, SEGUNDA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 3ª CÂMAR, Data de Publicação: 23/05/2023)

Portanto, os juros abusivos podem ser identificados por meio da comparação entre as taxas praticadas no contrato e as médias do mercado financeiro. Isso visa determinar se há uma discrepância injustificada que desequilibra a relação contratual.

Contudo, como demonstrado no julgamento acima, é necessário que a referida atividade seja realizada por um especialista.

COMO FAZER A REVISÃO DO CONTRATO

A revisão dos juros remuneratórios não apenas busca prevenir práticas abusivas, mas também visa estabelecer uma relação contratual justa e equilibrada. Os tribunais têm apoiado essa abordagem, compreendendo que o acesso a empréstimos e financiamentos com taxas razoáveis é essencial para a saúde financeira dos consumidores.

Ao permitir essa revisão, o Poder Judiciário busca alinhar os contratos bancários com princípios como equidade, boa-fé e respeito aos direitos fundamentais dos consumidores, conforme estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor.

Dessa forma, a revisão de um contrato bancário é um processo que busca avaliar a existência de cláusulas abusivas ou práticas prejudiciais aos consumidores. No entanto, para concluir que um contrato é abusivo, é necessário coletar documentos para uma análise precisa do caso. Os documentos necessários incluem:

  • Cópia completa do(s) contrato(s) assinado(s), com todas as cláusulas e termos;
  • Extratos de pagamento que comprovem os valores já pagos ao longo do(s) contrato(s);
  • Comprovantes de pagamento das parcelas, taxas e outros encargos do(s) contrato(s);
  • Extrato do saldo devedor atual;
  • Notificações e correspondências recebidas do banco, como aumentos de juros, multas ou outras informações relevantes.

Com esses documentos em mãos, é fundamental buscar orientação jurídica especializada para garantir que seus direitos sejam representados adequadamente avaliando possibilidade de revisão contratual, se cabível. Dada a complexidade do setor bancário e às implicações financeiras significativas dos contratos é extremamente aconselhável buscar a assessoria de um advogado especializado em direito bancário ao considerar a revisão de um contrato.

HIPÓTESES DE REVISÃO BANCÁRIA PROCEDENTE E SUAS IMPLICAÇÕES

Quando uma revisão bancária é considerada procedente, ou seja, quando a abusividade dos juros remuneratórios em relação à taxa média de mercado é comprovada, várias situações podem se desenrolar, afetando diretamente os direitos e obrigações das partes envolvidas no contrato. A seguir, descreveremos as situações que podem ocorrer em casos de revisão bancária procedente:

Revisão de Contratos Vigentes:

  1. Revisão para a Taxa Média e Quitação do Contrato: Se, após a revisão, for constatado que o valor pago a mais pelo consumidor é igual ao saldo devedor, o contrato será considerado quitado. Isso ocorre porque o montante pago a mais é suficiente para liquidar integralmente o débito restante;
  2. Revisão para a Taxa Média e Crédito ao Consumidor e Ressarcimento: Se a revisão resultar em um valor pago a mais superior ao saldo devedor residual existente, o consumidor terá o direito não apenas à quitação do contrato, mas também ao valor residual remanescente. Nesse caso, o consumidor passará de devedor a credor, recebendo a diferença entre o valor pago a mais e o saldo devedor.
  3. Revisão para a Taxa Média e Redução do Saldo Devedor: Se o valor pago a mais não for suficiente para quitar completamente o saldo devedor, mas for superior a ele, o valor excedente será usado para amortizar (pagar) as parcelas do contrato revisado. Isso resultará em uma diminuição do saldo devedor e, consequentemente, na redução do tempo necessário para quitar o contrato.

  • Revisão de Contratos Quitados: Direito ao Valor Pago a Mais: Nos casos de revisão de contratos já quitados, nos quais a abusividade dos juros remuneratórios é comprovada, o consumidor terá o direito de ser ressarcido pelo valor pago a mais durante a vigência do contrato. Esse valor será devolvido ao consumidor como forma de reparar os prejuízos causados pelas taxas abusivas.

Em todas essas situações, a revisão bancária procedente visa restabelecer a equidade contratual e proteger os direitos dos consumidores.

CONCLUSÃO

Compreender seus direitos é o primeiro passo fundamental para se proteger contra práticas abusivas por parte das instituições financeiras. A revisão de contratos de empréstimo abusivos é uma ferramenta essencial para garantir a justiça e a equidade nas relações financeiras entre consumidores e instituições bancárias.

Como vimos, embora a revisão de contratos seja um direito, a busca por orientação jurídica especializada é fundamental, dada a complexidade do setor bancário e a importância dos contratos financeiros exigem o conhecimento e experiência de um advogado especializado em direito bancário. Esse profissional será capaz de conduzir uma análise precisa do contrato, identificar possíveis abusos e orientar você em busca da solução adequada. Portanto, não hesite em procurar um advogado que possa representar seus interesses e garantir que seus direitos sejam respeitados.

Assim, constatada abusividade no contrato, e não surgindo efeito os meios de negociação tradicionais, a revisão judicial de contratos, quando embasada em argumentos sólidos e apoio jurídico, pode resultar em impactos positivos nas suas finanças e na construção de relações contratuais mais justas.

Vale ressaltar que essa possibilidade de revisão não se restringe a contratos em andamento, mas também se aplica a contratos já quitados, desde que a abusividade seja comprovada. Seus direitos merecem ser respeitados e protegidos, independentemente do estágio do contrato em questão.

Lembre-se de que a defesa dos seus direitos não só beneficia você, mas também contribui para a promoção de práticas mais éticas e transparentes no mercado financeiro.

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Dr. João Carlos Disarsz Alves

Dr. João Carlos Disarsz Alves

Advogado, formado em Direito pela Universidade de Várzea-Grande, especializado em Direito Contratual e Responsabilidade Civil, possui uma sólida expertise jurídica, com ênfase em jurisdição contenciosa, notadamente nos campos de direito bancário e consumerista há mais de 09 (nove) anos. Além disso, atua como membro ativo da Comissão de Direito Bancário da OAB/MT no período de 2022 a 2024 e membro da Comissão Nacional de Direito Bancário da ABA.

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